SANDRO GOMES DE OLIVEIRA. Diretor do Centro de Educação Teológica e Evangelística Shekinah.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Diga não as modernas indulgências


1517

Martinho Lutero afixa As noventa e cinco teses

"Tão logo a moeda no cofre ressoa, a alma sai do purgatório." Essa era a curta mensagem musicada de propaganda de João Tetzel, o homem autorizado a conseguir dinheiro para construir uma nova basílica em Roma. Seu esquema para o levantamento de fundos — a venda de indulgências — era, simplesmente, a venda do perdão. "Faça com que os seus entes queridos, que já partiram, saiam do purgatório por uma pequena taxa e ganhe algum crédito adicional para os seus pecados."
A corrupção reinava na igreja. Os cargos eclesiásticos eram comprados por nobres ricos e usados para alcançar mais riqueza e mais poder. Um desses nobres foi Alberto de Brandemburgo, que pedira dinheiro emprestado para se tornar arcebispo de Mainz e que precisava encontrar um modo de pagar seu empréstimo. O papa autorizou a venda de indulgencias na região de Alberto, contanto que metade do dinheiro coletado fosse usada para a construção da Basílica de São Pedro em Roma. O restante do valor levantado iria para Alberto. Todos estavam felizes, a não ser certo número de alemães devotos, dentre os quais estava Martinho Lutero.
Tetzel, monge dominicano e pregador bastante popular, tornou-se o comissário das indulgências. Ele viajava de cidade em cidade, proclamando seus benefícios: "Ouça a voz de seus entes queridos e amigos que já morreram, suplicando-lhes e dizendo: 'Tenha pena de nós, tenha pena de nós. Estamos passando por tormentos horríveis dos quais você pode nos redimir, contribuindo com uma pequena esmola'. Vocês não desejam fazer isso?".
Lutero, sacerdote e professor de Wittenberg, opunha-se totalmente à venda das indulgências. Quando Tetzel chegou àquela localidade, Lutero redigiu uma lista de 95 queixas e a afixou na porta da igreja, que também servia como quadro de avisos da comunidade. O perdão divino certamente não poderia ser comprado e vendido, dizia Lutero, uma vez que Deus o oferece gratuitamente.
As indulgências, porém, eram apenas a ponta do iceberg. Lutero se rebelava contra toda a corrupção da igreja e pressionava para que uma nova compreensão da autoridade do papa e das Escrituras fosse adotada. Tetzel saiu logo de cena (morreu em 1519), mas Lutero prosseguiu, vindo a liderar uma revolução religiosa que mudou radicalmente o mundo ocidental.
Lutero nasceu em 1483, em uma família de camponeses em Eisleben, Alemanha. Seu pai, um mineiro, levou-o a estudar Direito, enviando-o à Universidade de Erfurt. Contudo, o fato de ele ter sido poupado da morte quando um raio caiu muito próximo dele fez com que Lutero mudasse de idéia. Ele entrou para um mosteiro agostiniano em 1505, tornando-se sacerdote em 1507. Reconhecendo suas habilidades acadêmicas, seus superiores o enviaram para a Universidade de Wittenberg a fim de que obtivesse o diploma em Teologia.
A inquietação espiritual que atormentava outros grandes cristãos, ao longo de todas as eras, também influenciou Lutero. Ele estava profundamente consciente do próprio pecado, da santidade de Deus e de sua total incapacidade de obter o favor divino. Em 1510, Lutero viajou para Roma e ficou desiludido com o tipo de fé mecânica que encontrou ali. Fez tudo o que pôde para ser verdadeiramente piedoso. Subiu, até mesmo, a escada de Pilatos, em que Cristo supostamente caminhou. Lutero orava e beijava cada degrau à medida que prosseguia, mas, mesmo ali, suas dúvidas ainda fervilhavam.
Poucos anos depois, voltou para Wittenberg como doutor em Teologia, para ensinar disciplinas relacionadas à Bíblia. Em 1515, começou a lecionar sobre a epístola de Paulo aos Romanos. As palavras de Paulo consumiram a alma de Lutero.
"Minha situação era que, apesar de ser um monge impecável, eu me punha diante de Deus como um pecador perturbado por minha consciência e não tinha confiança de que meus méritos poderiam satisfazê-lo", escreveu Lutero.
"Noite e dia eu ponderava, até que vi a conexão entre a justiça de Deus e a afirmação de que Ό justo viverá pela fé'. Então, entendi que a justiça de Deus é a retidão pela qual a graça e a absoluta misericórdia de Deus nos justificam pela fé. Em razão dessa descoberta, senti que renascera e entrara pelas portas abertas do paraíso. Toda a Escritura passou a ter um novo significado [...] esta passagem de Paulo tornou-se, para mim, o portão para o céu".
Assim, mais confiante em suas crenças e com algum apoio de seus colegas, Lutero sentiu-se livre para falar contra a corrupção. Ele já criticava a venda de indulgências e a adoração das relíquias mesmo antes de Tetzel aparecer em sua região. Tetzel simplesmente fez com que o conflito alcançasse uma posição de destaque. As noventa e cinco teses de Lutero eram profundamente restritas, caso consideremos a sublevação que provocaram. Afinal, eram apenas um convite ao debate.
Ele realmente conseguiu um debate, primeiramente com Tetzel e, mais tarde, com o renomado estudioso João Eck, que acusou Lutero de heresia. No primeiro momento, parecia que Lutero esperava que o papa concordasse com ele sobre o abuso na questão das indulgências. Conforme a controvérsia continuou, Lutero, porém, solidificou sua oposição ao papado. Em 1520, o papa emitiu uma bula (decreto) condenando as idéias do monge alemão, e Lutero a queimou. Em 152 1, a Dieta (concilio) de Worms ordenou que Lutero se retratasse. Ali, segundo a lenda, Lutero afirmou: "Não posso fazer outra coisa. Aqui estou. Deus me ajude. Amém".
Depois disso, Lutero foi excomungado, e seus escritos foram banidos. Para sua proteção, foi levado à força por seu patrono Frederico, o Sábio, e ficou escondido no castelo de Wartburg. Ali, ele trabalhou em outros escritos teológicos e na tradução do Novo Testamento para o alemão popular.
Contudo, a batalha apenas começava. Quando ousou fazer oposição ao papa, Lutero despertou os sentimentos de independência tanto nos nobres alemães quanto no povo em geral. A Alemanha se tornou uma colcha de retalhos, à medida que alguns nobres apoiaram Lutero e outros permaneceram leais a Roma. A Reforma já estava em preparação também na Suíça, liderada por Ulrico Zuínglio. A igreja e o Sacro Império Romano voltaram sua atenção para as batalhas políticas que se estenderam por toda a década de 1520. Quando decidiram agir de forma enérgica contra os reformadores, já era tarde demais.
Uma reunião realizada na cidade de Augsburgo, em 1530, chegou perto de fazer com que a causa luterana voltasse a ficar sob a tutela romana. Filipe Melâncton, amigo de Lutero, preparou uma afirmação conciliatória das idéias de Lutero, apresentando seu ponto de vista como um posicionamento fiel ao catolicismo histórico. Porém, o concilio católico exigiu concessões que Lutero não faria, e a ruptura se tornou definitiva.
Em retrospecto, parece que os acontecimentos da Reforma devem muito à personalidade única de Lutero. Se não fosse sua dúvida profunda, talvez jamais tivesse garimpado as verdades das Escrituras como fez. Sem seu zelo pela justiça, talvez nunca afixasse seu protesto na porta da catedral. Sem sua impetuosidade, talvez jamais atraísse um número significativo de seguidores. Ele viveu em um tempo propício às mudanças e era o homem indicado para fazer com que acontecessem.


Fonte: Os 100 Acontecimentos mais Importantes da História do Cristianismo .
           Por A. Kenneth Curtis - J. Stephen Lang e E. Randy Petersen - Editora Vida

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