O trabalho missionário contemporâneo implica em todo trabalho pastoral e além disto, tem que dar conta do fator cultural.
Missões é um assunto de suma
importância na Bíblia. Esta afirmação pode ser ilustrada por duas observações
acerca de Jesus. Em primeiro lugar, em João 20.21, lemos que Jesus veio habitar
entre nós sendo ele mesmo missionário de Deus e o modelo de missionário para
seus discípulos, "assim como o Pai me enviou, eu vos envio" (nota-se
que o termo "missionário" significa literalmente
"enviado"). Sua vinda para este mundo, portanto, foi uma vinda
missionária, que por sua vez cria o padrão para a tarefa missionária da igreja.
Em segundo lugar, Jesus gastou seus últimos momentos no mundo, já ressurreto
embora antes da ascensão, desafiando a igreja para sua tarefa missionária. Isto
é o contexto dos cinco relatos da Grande Comissão (Mateus 28.18-20, Marcos
16.15, Lucas 24.44-49, João 20.21 e Atos 1.8). Certamente esta instrução dada
nos últimos momentos de Jesus com seus discípulos merece certo relevo.
Contudo,
apesar de tão grande destaque, existe hoje muito mal-entendido sobre a tarefa
missionária. Através dos anos, criamos até mesmo uma série de mitos a este
respeito. Queremos desvendar alguns destes mitos nesta reflexão.
Três Mitos Sobre Estratégia
O primeiro mito parte dos "zelosos"
e alega: missões estrangeiras são mais importantes que missões nacionais, nossa
meta é ir literalmente até aos confins da terra. Uma implicação deste mi- to é
que a distância que o missionário transcorre está em direta proporção com sua
espiritualidade. Por isto, às vezes, inconscientemente, o trabalho do
missionário no distante Amazonas ou até na África é considerado de mais valores
que o trabalho realizado num bairro ou numa vila próxima.
Prega-se muito
Atos 1.8 como a base deste mito e enfatiza-se a frase "até os confins da
terra". Todavia, se fôssemos aplicar este versículo literalmente à tarefa
contemporânea, o nosso alvo missionário, nosso "confins da terra",
seria chegar até a Oceania atualmente a
região de maior porcentagem de cristãos praticantes no mundo inteiro (entre 80
a 95 % freqüentam a igreja!). E para Lucas, quanto mais longe o evangelho se
espalhava de Jerusalém, mais encontrava com povos não-evangélicos. Hoje, graças
a Deus, isto não é mais o caso. Há casos em que se formos para mais longe
encontremos lugares com maior penetração do evangelho do que entre nos.
Portanto,
nossa meta deve ser a meta de Paulo, pregar "não onde Cristo já fora
anunciado" (Romanos 15.20), quer distante, quer próximo. É uma meta nem
tanto geográfica quanto evangelística.
Segundo mito
parte dos “duvidosos” e indaga: missões nacionais são mais importantes que
missões estrangeiras; por que gastar tanto esforço e dinheiro lá quando há
tanto ainda para fazer aqui?
Este mito
também apela muito para Atos 1.8, mas enfatiza a idéia de ser testemunha
primeiro em Jerusalém. Porem, o texto não fala "primeiro" mas tanto
em Jerusalém como em toda Judéia e Samaria”. E, de fato, a igreja primitiva não
esperava por uma saturação do evangelho em Jerusalém antes de prosseguir para
outras regiões. O "tanto...como" indica que a obra missionária deve
ser proporcional, A nossa está? No caso das denominações evangélicas
norte-americanas, gastam apenas 5 % gasta em trabalho missionário entre povo
que já têm fortes igrejas autóctones!), E as nossas igrejas no Brasil? A onde
está nosso equilíbrio bíblico entre o trabalho missionário aqui e o trabalho
lá?
De novo, a
meta implícita em Atos 1.8, está explícita em Romanos 15.20: “não onde Cristo
já fora anunciado”.
Um terceiro e
novo mito divulgado pelos “ingênuos” é que: missões transculturais são
“melhores” que missões monoculturais. Cita-se muito Mateus 28.19: “Fazei
discípulos de todas as nações”, e observa-se que “nações”. significa não países
inteiros, mas “etnias”, grupos humanos culturalmente definidos.
Pois bem, mas
não é por isso que missões transculturais são “melhores” que as monoculturais,
Aliás, em termos de afetividade, isto não é verdade. Sendo todos os outros
fatores iguais, a evangelização realizada por alguém da própria cultura é bem
mais efetiva que a evangelização realizada por alguém culturalmente estranho.
Os brasileiros sabem ganhar melhor que os estrangeiros...
Por que,
então, há tanta ênfase hoje em dia em missões transculturais? A razão é
simples, embora nada tenha a ver com eficácia; Mais que três quarto dos povos
ou etnias no mundo não possuem uma igreja autóctone que possa realizar a
evangelização do seu povo. Isto
significa que a evangelização
destes povos só poderá ser realizada por pessoas duma outra cultura, isto é,
transculturalmente. Não é que missões transculturais sejam melhores, mas são o
único meio de alcançar os dois bilhões ainda não alcançados.
Três Mitos Sobre Preparo
Há também
muita confusão quanto à preparação adequada para o desempenho missionário.
Tratamos aqui de mais três mitos.
O primeiro é
dos "reservados" e diz: a não ser que Deus dirija claramente ao
contrário, devo permanecer aqui.
Mas, à luz da
direção inequívoca da Bíblia em geral, da ordem explícita de Jesus em
particular, e da situação contemporânea da evangelização mundial, parece-me que
nossa orientação deve ser o contrário: a não ser que Deus dirija claramente ao
contrário, devo ir, especial- mente "não onde Cristo já fora anuncia-
do". Sem dúvida, a pressuposição de ir em vez de permanecer é bem mais
difícil. Entretanto, não é mais coerente com o ensino bíblico e o contexto
mundial de evangelização?
O segundo mito
sobre o preparo missionário surge dos "ambiciosos" e assevera: quando
Deus me chama devo atendê-lo imediatamente. apesar d ou não da igreja, Como
todos os demais mitos, este soa certo.
Afinal de contas, não devemos obedecer antes a Deus do que aos homens?
Todavia, a
exortação de obedecer a Deus antes do que aos homens, se refere aos homens
incrédulos, não à igreja. É necessário que a igreja confirme o chamamento
missionário e dê apoio em to- dos os sentidos para o candidato a missões.
Consideremos o exemplo de Paulo: Ele mesmo identifica seu chamamento
missionário com a sua conversão (Gálatas, 1.15-17). Mesmo assim, sua partida
como missionário somente se realizou depois dum período de aprendizagem e
ministério na igreja local e depois do re- conhecimento e apoio da mesma (Atos,
13.4).
Terceiro mito
em relação ao preparo parte dos "pretensiosos” e pressupõe:
o melhor: o melhor preparo é mais
próprio para os pastores os missionário, os não precisam de tanto, já que
apenas dão inicio a um trabalho. Lógico, nunca se fala assim, mas a pratica
demonstra que este mito é bem vivo. É refletido através de nível e duração dos
cursos missionários que damos. através de outro preparo acadêmico que exigimos
e através dos salários que damos. E como
se os candidatos que não dão certo no pastorado pudessem sempre recorrer para
um ministério mais rústico e missionário.
Raparemos bem
que a Igreja de Antioquia enviou seus melhores líderes para ba o trabalho
missionário (Atos, 13.1-4). Paulo, Barnabé, Simeão, Lúcio de Cirene e Manaém
eram mestres e profetas na igreja! Pelos padrões da maioria das nossas igrejas
contemporâneas, seriam os últimos dos quais abriríamos a mão do ministério
pastoral! Contudo, a Igreja primitiva enviou a “nata” da sua liderança.
O trabalho
missionário contemporâneo implica em todo o trabalho pastoral e além disto, tem
que dar conta do fator cultural. Por isso, exige mais e não, menos trabalho que
o ministério doméstico. Além do treinamento tradicional nas áreas bíblicas,
teológicas, histórica e pastorais, exige ainda conhecimento de antropologia,
lingüística, religiões e estratégia. Precisamos mandar o melhor dos nossos
líderes que possam ter este conhecimento e ainda enfrentar as pressões
psicológicas resultantes de estarem longe de casa, numa cultura estranha,
com pouco apoio social e psicológico
próximo. Não é de se admirar, então, que a Igreja primitiva não enviava
qualquer um!
Três Mitos Sobre o Papel do Brasil
Os seis mitos
anteriores são característicos da igreja no mundo inteiro. Nós também os
adotamos em grande parte. Mas há outros mitos mais característicos da igreja no
Brasil em partícula.Voltemos nossa atenção para estes.
O primeiro
brota dos "nacionalistas" e assegura: missões é coisa dos
norte-americanos e europeus. Para ser justo, esta colocação é grandemente culpa
dos próprios missionários estrangeiros no Brasil. Realizaram o trabalho, ora
nobre e sacrificial ora dominador e paternalista, mas, com raríssimas exceções,
não transmitiram a mesma visão missionária para as igrejas autóctones. Assim,
deixaram a impressão de que missões e coisa que o Brasil recebe e não faz.
Tal imagem não
pode ser bíblica. A igreja que não for missionária não pode ser igreja, pois
nega a razão da sua existência (1 Pedro, 2.9-10). Por isso, a igreja n que não
for missionária, logo se torna um campo missionário.
É animadora a
observação de que em 1982, agências missionárias do Terceiro Mundo já enviaram
15.000 missionário em comparação com os 17.000 enviados pelas três principais
entidades missionárias norte-americanas. Acredito que, à medida que a
desconfiança do norte-americano e do europeu cresça no Terceiro Mundo, por
razões justas ou não, a importância urgente de missionários do Terceiro Mundo
vai criar um despertamento desta vocação, que terá como resultado a liderança
das igrejas do Terceiro Mundo no avanço da evangelização mundial.
Segundo mito
vem dos “pessimistas” que advertem: o Brasil não tem recursos para missões no
exterior. Também este mito é culpa, em parte, dos próprios missionários
estrangeiros no Brasil. Através da sua administração financeira exorbitante e
freqüentemente acima dos padrões financeiros da igreja autóctone, dão a
impressão de que precisa-se de grandes recursos financeiros para se fazer
missões.
Mas isto não é
a verdade. A igreja primitiva de Jerusalém, a igreja-mãe do movimento cristão
nascente, era pobre quando lançou o trabalho missionário. A igreja de
Tessalônica tinha poucos recursos financeiros que não podia arcar com a as
despesas de Paulo durante seu ministério lá (1 Tessalonicenses, 2.9). Mesmo
assim, realizou um trabalho missionário que repercutiu por regiões bem extensas
(1.8).
Os exemplos
continuam hoje. Entre os Karen, um povo tribal na Birmânia, as donas de casa
separam um punhado de arroz cada dia e oram simultaneamente pela evangelização
de outros povos na Birmânia e na Índia. No final de cada semana, este arroz é
vendido no mercado e o dinheiro enviado para missionários Karen evangelizando
outros povos.
Os cristãos na
Nigéria também estão to. ativamente empenhados na evangelização de tribos
vizinhas, e têm pouquíssimos recursos financeiros. Até mesmo no Brasil, existem
tribos indígenas aonde os convertidos evangelizam outras tribos de outras
línguas e não dependem de muitos recursos financeiros.
Precisamos ser
corajosos e criativos na organização
financeira do trabalho missionário, antes de tudo bíblicos, se depender de
modelos financeiros exorbitantes e não-realizáveis.
Finalmente,
observamos mais u mito sobre missões, o mito dos "calculadores". É o
seguinte: se planejarmos o suficiente e aprendermos muita missiólogia,
venceremos os problemas do passado e te- remos grande êxito. Felizmente, há um
interesse crescente no Brasil pelo estudo de missões, a missiólogia, e isto, eu
creio, deve preencher uma grande lacuna. Este desenvolvimento recente poderá
ser uma tremenda contribuição ao preparo missionário. Também poderá deslocar os
preparandos da dependência do poder de Deus através de oração e da dependência.
do Espírito Santo para direção.
Paulo, o
primeiro missiólogo e estrategista, reconhecia esta necessidade e resumiu todo seu trabalho missionário da seguinte maneira:
"... para
conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras, por força de sinais
de prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e
circunvizinhanças, até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo"
Sua pregação consistia em "demonstração do Espírito e de poder" (1
Coríntios, 2.4, Atos, 19.9-12).
Um exemplo marcante desta dependência é o caso dos
morávios do século -18, da Bavária, na Europa Central. Este grupo cristão
pequeno iniciou uma vigília de oração que durou mais de 100 anos! E durante 28
anos, eles enviaram mais missionários (para Groenlândia, América do Norte, o
Caribe, a África e a Ásia!) que todas as outras igrejas protestantes e
anglicanas nos dois séculos de- pois da Reforma Protestante! Eram fruto de
oração e dependência do Espírito Santo.
Concluímos
nossa reflexão com o seguinte desafio e repensamento dos muitos elaborados:
Nossa meta deve ser: não onde Cristo já foi anunciado. Nosso preparo deve ser o
melhor. E nosso envolvimento deve ser a igreja brasileira comprometida e
dependente do Espírito Santo.
Timóteo
Carriker é professor de Teologia Bíblica de Missão, Panorama do Cristianismo
Mundial, Antropologia Missionária e Crescimento da Igreja, no Centro Evangélico
de Missões. Esta mensagem foi proferida por ocasião do culto de abertura das
aulas do CEM, em março deste ano.