SANDRO GOMES DE OLIVEIRA. Diretor do Centro de Educação Teológica e Evangelística Shekinah.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Aluno "problema" - Maria estava em pauta - Reflexão

APRESENTADOR - Era uma reunião de educadores. Professores, diretores, vice- diretores, supervisores, orientadores, psicólogos, assistentes sociais etc. Ali estavam. Maria estava em pauta. Maria, a pestinha da escola. Maria, uma menina que se recusava a usar o uniforme habitual, e exigido, que chegava atrasada, saía cedo, encarava qualquer um, já havia enfrentado todos os que ali estavam. A má vontade contra Maria passeava pelo ar...

A DIRETORA - Estamos todos reunidos aqui para dar uma solução ao caso de Maria. Não preciso especificar. Todos a conhecem. Mas não gosto de expulsar ninguém sem uma tomada geral de opiniões. Não quero reclamações posteriores. Tenho de calçar minha posição contra ataques futuros. Por favor, psicólogos, exponham o que encontraram na análise de Maria:

PSICÓLOGOS - Contra a vontade da menina, aplicamos-lhe vários testes. Foi uma luta. Recusava-se, negava-se; detesta testes, detesta psicólogos, não acredita em nada disto, nos falou. Diante do perigo de ser expulsa, aquiesceu. Agora, pasmem, caros colegas - Maria tem 140 de QI! Sabe o que quer dizer isso? Maria é quase gênio!!! Inteligência elevadíssima... E ainda nos contou, uma piada – falou que um garoto, no vestibular disse que neurótico é o sujeito que constrói castelos no ar. Psicóticos, os que moram neles e psiquiatras e psicólogos os que cobram aluguel pelos castelos... É petulante, não é? A assistentes sociais foram visitar a casa dela?
ASSISTENTE SOCIAL - Vive numa boa casa, a mãe, tem curso superior, trabalha dia e noite para sustentar três filhos já que o pai se mandou por aí... Maria leva e traz os irmãozinhos ao colégio, quando sai daqui. A mãe se queixou – ela é relaxa, não se cuida, cabelos despenteados, tudo jogado pela casa. Muito respondona, discute por qualquer coisa. Mas também tem gestos de amor inesperados. No aniversário da mãe fez uma festa surpresa para ela com bolo, salgados. Tudo comprado com dinheirinho que juntou. E sofre sobre seu rendimento escolar... Vamos ouvir os professores? Vocês, de linguagem.

PROFESSORA DE PORTUGUÊS – Maria é uma criança engraçada. Escreve tudo errado, professora com cedilha; mas eu queria que vocês lessem – o conteúdo é belíssimo, a forma é rica – usa palavras adiantadíssimas, mal escritas – mas muito interessantes. Vou, reprová-la, com muita pena. Mas ela não... sabe escrever direito... Ela é que faz abaixo assinados para os colegas, ela é que escreve discursos, ela está sempre escrevendo – e errando. É uma pena... Ela me disse que gosta de História. Que tal ouvirmos a professora de História?

PROFESSORA DE HISTÓRIA – Maria me dá muito trabalho. Há dias em que presta uma atenção incrível. Fixa o olhar em mim, pergunta, pergunta, interrompe, discute, discute... Fala de grupos de pressão, de poder, de classes dominantes e diz que vai ser socióloga. Respondam-se, caros colegas, como posso conduzir minha classe se Maria me perturba o tempo todo? E na matemática, como vai Maria?

PROFESSORA DE MATEMÁTICA – Temos horror a Maria e ela nos corresponde na mesma moeda. Odeia matemática: sempre ficou para 2ª época. Imaginem que tentei conquistá-la , dei a ela uma caixa de bombom, uma coleção de santinhos... e ela me devolveu os santinhos . Disse que é atéa... Isto mesmo : atéa.

PROFESSORA DE CIÊNCIAS – Gente – de repente, estou ouvindo vocês e não entendo nada. Será que estão falando da minha aluna Maria, 13 anos, da 7ª série? Não entendo o que se passa neste recinto, não posso acreditar! Ela só tira dez, comigo. Infelizmente nunca discutimos. Maria ou vocês saberiam o quanto ela me ajuda... Na feira de ciências ela fabricou um aparelho, ela arranjou ratinhos para a exposição... Ficou lá o tempo todo ajudando a todos... Na minha aula - é verdade que quase nunca eu dou aulas expositivas, sempre lanço problemas para os alunos e fico esperando as respostas dos grupos... Maiêutica, não é? E Maria é minha melhor aluna. Como vão expulsar uma menina assim? Meu Deus... a quem poderia pedir auxílio nesta hora? É preciso salvar uma criança extraordinária...

DIRETORA – Como constatamos, professora, só a senhora vê méritos em Maria. Todos os outros a reprovarão. Logo, a senhora será mesmo voto vencido. Concordam que eu chame a mãe da menina para que retire Maria daqui? Quem concordar levante a mão...

APRESENTADOR – Neste momento um barulho ensurdecedor se faz ouvir... uma luminosidade imensa clareou o ambiente e uma voz suave e doce encheu o recinto:

UMA VOZ – Todos aí reunidos , como uns tolos, para expulsar uma menina superdotada- que ousou ser diferente... De que mais precisa o mundo senão de meninas como Maria? Ela é o sal da terra, a flor de sua escola e vocês a querem deportar...

APRESENTADOR – Aos professores parecia que era a voz de Moacir Gadotti que se fazia ouvir...

GADOTTI – Por favor, professores... “conduzir crianças, hoje, é papel do motorista do ônibus escolar e não do professor, do pedagogo”. Esta escola limitou-se a cumprir programas – sem criatividade, sem alegria, sem vida – e, à exceção da bela professora de ciências, vocês robotizaram sua crianças... Por isto Maria detesta sua escola... “Uma docência limitada à transmissão de conhecimentos e um supermercado de idéias”...

EDUCADORES - Paciência, Doutor... como podemos , nós diretores, nós professores, nós supervisores etc. descumprir leis, descumprir programas, descumprir regras que vêm sendo marteladas em nosso ofício há mais de dois séculos? Professor tem mais é que dar a matéria toda, ensinar o que mandam as secretarias, não é. E as conseqüências da desobediência?

GADOTTI - Maria está educando vocês. E vocês não perceberam isto. Nem a mãe de Maria... “a desobediência representa um alto grau de criatividade histórica. É pela desobediência, meus caros mestres, que o educando, ao dizer não, diz também eu e se assume criticamente. O desrespeito, visto como complemento negativo da desobediência, é um ato cheio de amor e de ternura. É só eficaz por isto... Duplamente eficaz, porque educa o educador.”

EDUCADORES – Se desobedecermos aos nossos superiores... Vamos ter mas conseqüências... e, senhor, se aceitarmos o ato de desobediência descemos de nosso pedestal. A criança não nos tratará com o devido respeito...

GADOTTI – “Educar, caros mestres, é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo, em que vivemos para superar suas contradições, comprometer-se com este mundo para recriá-lo constantemente. Não é consumir idéias, nem obedecer. Incoerência, desordem, desobediência, são as linhas diretrizes a minha pedagogia. Será que não estávamos confundindo Educação com Submissão, com Obediência?

“A educação é obra transformadora, criadora, ora, para criar é necessário mudar, perturbar, modificar a ordem existente. Fazer progredir alguém significa modificá-lo. Por isto a educação é um ato de desobediência e desordem. Uma educação autêntica reordena. Nesta dialética ordem-desordem é que se opera o ato educativo e o crescimento espiritual do homem.”

APRESENTADOR - A luz desapareceu naquela sala, de repente. Professores cabisbaixos meditavam. Só a professora de ciências sorria, feliz. Até que enfim alguém referendava o que ela sempre pensara em sua filosofiazinha de professora humilde e consciente.
E como por ali pairava o ideal o ideal do educador, aquele sopro indefinível que nos faz ficar transformado de alegria a um simples aceno de um menininho, nosso aluno...a diretora falou:

DIRETORA - Gente, acho que precisamos mudar! Isto aqui está um baú de velhas idéias. Vou comprar livros novos, vamos ter reuniões mais sérias, vamos questionar nossas aulas, nossos programas, nossas atitudes. Quem concordar, por favor, levante a mão...

APRESENTADOR - Todos concordaram

DIRETORA - Agora, querida colega, o que faremos com Maria? Vamos imitar a professora de ciências e encarregar Maria de coisas diferentes, vamos ocupá-la, amá-la um pouco mais? Oferecer-lhe problemas a resolver?

APRESENTADOR - Todos concordaram

TODOS - A partir daquele dia ouviam-se risadas nos pátios, alegria nas salas de aula e Maria, a menina impossível, de repente, por ser menina, começou a acreditar, de novo, que por trás do arco íris havia um castelo de sonhos deslumbrantes.

Jogral de FERNANDA BARCELLOS - com trechos escolhidos de MOACIR GADOTTI no livro (EDUCAÇÃO E PODER) “CORTEZ”

Obs.: Amigo leitor, peço por gentileza que deixe o seu comentário sobre a reflexão citada acima. Desde já, muito obrigado. No serviço do Mestre, pastor Sandro Gomes.

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